Filme faz retrato bem-humorado e pop da cidade.

'Rio de Jano', que estréia amanhã, acompanha as andanças do desenhista francês e traça painel da alma carioca

Foi preciso que um estrangeiro viesse ao Brasil para que surgisse um filme que retrata a alma carioca como poucos. "Rio de Jano" acompanha os passos do quadrinista francês em sua visita à cidade - para desenhar um caderno de viagem - mas não se resume a um making of de seu trabalho. Em sua estréia no longa-metragem, os diretores Eduardo Souza Lima, Anna Azevedo e Renata Baldi fizeram um crônica afetuosa e cheia de bossa do Rio. Ou, como preferem, "uma antropologia visual, bem-humorada e pop, do Rio de Janeiro e dos cariocas, do ponto de vista de um desenhista francês".

Jano, de 49 anos, não é um estrangeiro comum. Não tem a visão encantada e idílica, que vê a cidade como um éden tropical, nem o olhar demonizado e cheio de clichês, que enxerga o Rio como um antro de violência e um paraíso sexual. Sabe que a cidade tem pecados "inumeráveis", como diz, mas também vê suas muitas qualidades.

Cabem vários filmes - e, portanto, vários públicos - em "Rio de Jano", que estréia amanhã. O fã do inventor do rato Kebra vai conhecer os bastidores de seu processo de criação. Jano fotografa, toma notas e faz esboço das cenas, que serão desenhadas mais tarde em seu ateliê na França. Quem estiver de mal com a cidade vai se reconciliar ao ver as belas imagens - fotografadas por Mário Carneiro - e ouvir a variada trilha sonora - que vai do rock e do funk ao samba e ao choro. E mesmo o carioca típico vai se surpreender com a riqueza do olhar de Jano.

Em seus 50 dias na cidade, ele captou a atmosfera dos bairros e traços característicos dos moradores. Um dos desenhos retrata um turista que é abordado por um engraxate em Copacabana. Ele está sem sapato, "mas o moleque vai perturbar assim mesmo", diz, com humor.

O filme segue as andanças de Jano por locais tão distintos quanto o Maracanã, a Feira de São Cristóvão, os Arcos da Lapa, a Vila Mimosa, a Favela do Vidigal e Madureira. O espectador é apresentado às paisagens e a seus personagens, e logo em seguida os vê retratados nos desenhos de Jano. O diálogo que se estabelece entre desenho e realidade é um dos muitos achados do longa, produzido pela Hy Brazil. Hoje à noite, no Arco do Telles, um telão passará o trailer, enquanto serão distribuídos ingressos para o filme.

O quadrinista foge do óbvio, dispensa os cartões-postais e, quando os retrata, acrescenta sempre sua divertida visão de mundo. O Pão de Açúcar de Jano não difere muito dos desenhos de Debret e outros retratistas do século XIX. Ele está lá, dominando a paisagem. Mas, a seus pés, está a praia coberta de lixo, o vendedor ambulante, o catador de latinhas, os banhistas. "O Pão de Açúcar é um clichê, mas não dá para negá-lo. Vou tentar distorcer um pouco a visão habitual, turística", explica. "Não faço uma coisa neutra. Faço algo que denuncia. Sempre tem um pouco de cinismo, de ironia e de paródia no que eu faço."

Como de hábito, os desenhos de Jano trazem personagens com caras de bicho. Os executivos que vão paquerar na sexta à noite têm rosto de urubu e os meninos que se penduram do lado de fora do bondinho de Santa Teresa são como "pequenos leopardos".

Jano tinha convite para vir ao Rio este mês, mas uma hepatite adiou os planos. Ele pretende voltar no fim do ano.

- Estou com saudades do clima, que é soberbo, da luz, das pessoas e da dimensão das coisas, que impressionam pela grandeza - diz, por telefone, de seu ateliê em Paris.

Mauro Ventura